À margem do bom senso

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou ação penal contra homem acusado da tentativa de furtar uma galinha, avaliada desproporcionalmente em R$ 30,00. Trinta reais.  Os ministros aplicaram ao caso o princípio da insignificância e reformaram decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que havia imposto condenação   à pessoa em tela.

A relatora do feito  afirmou que a intervenção do Direito Penal só se justifica quando o bem jurídico protegido tenha sido exposto a dano expressivo. E a conduta seja socialmente reprovável. Para ela, a conduta do acusado  no caso em apreço,  se enquadra na fórmula do  furto, furto tentado.  A figura delituosa, para ela,  é desproporcional à imposição de  pena privativa de liberdade, tendo em vista que a lesão é “absolutamente irrelevante”.
A ministra lembrou que a jurisprudência do Supremo  (STF) considera que a adoção do princípio da insignificância é possível quando a ofensa representada pela conduta do agente for mínima, não houver periculosidade social, a ação apresentar reduzidíssimo grau de reprovação e a lesão jurídica provocada for inexpressiva.

Na folha seguinte, vejo  mulher que  tentou subtrair bebês de uma maternidade. Mas  vai responder processo em liberdade.  O juiz da Vara Criminal e Tribunal do Júri de Brazlândia concedeu liberdade provisória a Luciete Moura dos Santos, que na  quinta-feira, dia 20, teria tentado subtrair dois bebês do Hospital de Brazlândia. A pessoa responderá ao processo em liberdade. Fará o pagamento de fiança de R$ 3 mil. Deverá comparecer semanalmente  ao juízo para informar e justificar suas atividades. Terá o dever de  recolher-se ao domicílio no período noturno,  salvo por necessidade de trabalho ou estudo.  Está proibida de ausentar-se do Distrito Federal,   sem autorização do juiz e de adentrar qualquer maternidade, salvo por razões médicas ou de socorro.

 

Em nosso país é assim. Um comete crime famélico. Tenta jantar uma galinha  e é preso. Petições correm no fórum local. Vão para a capital do Estado. Acabam em Brasília. Tudo por  causa de  uma galinha, que nem mesmo chegou a ser furtada!  Mulher tenta  apoderar-se de dois recém-nascidos, que não são seus. Fica em liberdade, como se, com isso,  não voltasse a tentar fazer das suas.

As explicações que acompanham o acontecido têm a pretensão de parecerem profundas, mas, na verdade, nem mesmo são bem fundamentadas. Afinal, toda verdade é, segundo dizem, subjetiva. E toda culpabilidade é relativa.

Consideremos o tempo e o dinheiro  investido nisso tudo. O palavreado empolado. A falta de objetividade. E o resultado: um coitado no xadrez, por bom tempo. E uma pessoa mal intencionada, solta, sem maiores consequências, pronta para aprontar.

Está tudo fora de foco.

Vivemos, aqui, o momento da trégua da moral e a vitória do desvario.  As regras em vigor  levam a resultados absurdos. São homens e mulheres públicas que desviam dinheiro. Enriquecem-se, rapidamente. Descobertos, no máximo, perdem o cargo. E não imediatamente. E o dinheiro desviado continua a compor o patrimônio daquele que bancou o esperto. Há um ex-ministro que, num passe de mágica, multiplicou seu patrimônio. Apenas perdeu o cargo. Não perdeu a dinheirama, de, no mínimo, sete algarismos antes da vírgula… Quando coisas assim acontecem —— e acontecem todo dia, só que a gente fica sabendo de quando em vez ——, eu me pergunto: e os impostos devidos sobre os ganhos de porte estratosféricos? São informados a quem de direito?  Como se o óbvio precisasse ser explicado…

Mas por que isso é assim? Porque nossa gente é indulgente. Tem memória fraca. Nem mesmo reage. Não cobra condutas. Por outro lado, os fabricantes das normas são os maiores interessados em que o sistema não funcione, eis que, dia poderá vir, em que eles próprios poderão vir a ser alcançados pelas medidas idealizadas…

Esse absurdo é um gigante implacável, mas não é fruto de minha imaginação.  O fato é que ele  evoca a Revolução dos Bichos, monumental obra  do George Orwell,  que todo mundo deveria ler. Lá está, não exatamente nestas palavras, mas neste tom: todos são iguais perante a lei, só que alguns são mais iguais que os outros.

Esta entrada foi publicada em Crônicas. Adicione o link permanente aos seus favoritos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.