Sua falta faz falta

—— «Bacharelandos! Ide e…». E,  em  seguida, veio série de verbos lançados na segunda pessoa do plural. Coisas do tipo «lutai, combatei e amparai», todos no sentido de encorajar os formandos a seguir o caminho do bem,  da inteligência, do conhecimento, da eficiência, da perseverança e  da determinação. As palavras talvez não sejam exatamente essas, mas o tom era esse. Na tribuna, falando aos jovens formandos, dentre eles o Gérson,  o paraninfo da turma de 1976 da  Faculdade de Direito de São José do Rio Preto, Dr. Wílson Romano Calil.

As palavras calaram fundo no peito do Gérson, Gérson José de Camargo Gabas. Sempre que apropriado, ele não perdia oportunidade de repeti-las, mesmo depois de tantos anos. Conhecia o texto de cor. Afirmava como a orientação assim trazida à luz sedimentou   os princípios que caracterizavam sua personalidade. Abriu espaço, sem tamanho, atendendo ao clamor de seu ego,  para que viessem a orientar sua existência, a dos seus, a  daqueles que, direta ou indiretamente, dependiam e dependeriam dele. Era regra fácil de enunciar. Difícil de seguir. E ele a obedecia. E como! A linha humanista era o norte natural de sua existência.

Despojado de reticências e hipocrisias,  transferiu seus objetivos do impossível para o viável.

As características de sua carreira podem eventualmente escapar ao cidadão comum, mas eram detectáveis a olho nu. Foi em harmonia com os princípios enunciados  que o destemido  Gérson, dentre tantas outras atividades, transformou-se em profissional do Direito. E venceu. Tornou-se,  graças à  capacidade maior que a tarefa,  diretor do Departamento de Natação do Clube de Tênis.  Um campeão! Campeão brasileiro de natação! Transmitiu conhecimentos e contribuiu, como professor de Educação Física, na formação de um sem-número de  jovens. Beneficiou a coletividade como diretor superintendente da Rádio, Jornal e Tevê Rio Preto, canal 8,  e diretor da Rádio Novo Horizonte.  Foi, como semeador, que exerceu a atividade de jornalista,  integrando a diretoria da Associação Brasileira de Jornais do Interior, delegado de partido político, Presidente do Lions Clube. Era  orador. Era  eloquente. E, como tal, marcou presença na Tribuna Carlos Machado, como Presidente da Câmara Municipal. A política, dizia, era território fértil para a hipocrisia e o cinismo, mas ele não se deixava contaminar.

Empresário bem sucedido. Prestava colaboração efetiva ao professor Haroldo Gondin Guimarães, técnico de natação do Clube de Tênis, ajudando a construir o caráter de expressiva fatia de nossa juventude.   Foi  o  primeiro colocado na  travessia da lagoa do Clube de Campo. Lutou por jornalismo limpo e construtor, escrevendo e  modernizando o equipamento de O Regional, publicação de sua família, registrando a história de Catanduva e região. Usou sempre o que sabia fazer melhor. Para ele, o jornal deveria ter existência para   expor, também,  o que uns e outros gostariam —— ou precisam!—— desesperadamente esconder. A imprensa, dizia ele,  por mais defeituosa que seja, só vive na luz.

Foi tudo isso e muito mais.

Gérson, com seu jeitão enérgico,  desmanchava-se emocionalmente diante de D. Marina, sua esposa —— sempre homenageada, diretora de O Regional ——   e dos dois filhos que, tal qual a mãe, seguiram o jornalismo. Eram pegadas deixadas pelo pai: Mara e Rodrigo. Registre-se que Mara, em entrevista ao Dr. Davis Quinelato, respondeu sem vacilar: «uma saudade? Meu pai!» A locutora mais popular da cidade,  com quem tive o privilégio de trabalhar, literalmente,  lado a lado, como vereador, também se desiludiu com a  política. No entanto demonstra amor, cada vez maior, pelo jornalismo.   Rodrigo, diretor de emissora, segue, a olhos vistos, com o mesmo empenho e determinação a trilha traçada pelo pai.

A pessoa de Gérson José de Camargo Gabas se eternizou em nossas mentes e corações. E, materialmente, se eternizou em duas obras públicas: uma estadual, outra municipal.

Sua falta faz falta.

Foi perda terrível.

As feridas emocionais permanecerão abertas em nossos corações. Se há coisa mais forte que o destino, é a coragem, que o suporta. Gérson precocemente atravessou a barreira de onde não há regresso conhecido. E o fez exatamente como viveu: com coragem.

Com coragem.

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