Não se luta com cães bravios, sob a lei que os protege. Uma das tais mordaças que andam por aí esteve no forno. Havia, no Congresso, fórmula em elaboração que poderia impedir que o Ministério da Educação divulgasse dados das avaliações feitas nas escolas particulares de ensino superior. E isso como se a sociedade, os estudantes e seus familiares não tivessem interesse em conhecer a qualidade do ensino! Felizmente o monstrengo morreu durante a gestação. Por que a imposição do silêncio? Elementar, meu caro Watson, como diria o mais famoso personagem de Conan Doyle. Era a reação dos que queriam salvar mísera comodidade, pouco acima do nível da estupidez absoluta, paga às custas de abdicações morais. Referida divulgação não interessava — como não interessa! — às escolas de reputação duvidosa, que deveriam e devem estar registradas somente nas Juntas Comerciais, e não no Ministério da Educação, como o disse Gaudêncio Torquato. Elas temem resultados de avaliação. Ora, em lugar do lobby trazido à luz pela chamada Frente Parlamentar de Defesa do Ensino Particular, para impedir a divulgação dos resultados, não seria muito mais sensato —— é pergunta retórica —— que pugnasse pela extinção da avaliação?
Por que é que neste País não se fala na criação de Frente Parlamentar de Defesa da Qualidade do Ensino?
Deixando de lado o falso otimismo do «talvez não seja tão grave assim», detenhamo-nos sobre a situação de duas áreas de cabal importância: o Direito e a Medicina.
No Direito, a brisa lançada na mídia pela OAB, através de seus exames periódicos, evidencia o tamanho da tempestade em evidência. Tais resultados falam por si. E acima dos telhados.
Na Medicina, é emblemática a história de Luiz Castro. Era para ser cirurgia simples, com alta do paciente prevista para aquela tarde. Castro ficou mais de dois anos internado: houve perfuração do esôfago e perda de corda vocal. Sem dúvida, o profissional que o assistiu toca trombone de ouvido e de maneira atroz. Faz sentido? Ora, um bisturi na mão de um cirurgião de verdade faz milagres. Já na mão de um leigo ou de um criminoso…
Hoje, são os recém formados os que mais erram, afirma um conselheiro do Cremesp. E acrescenta: “A alteração do perfil está intimamente ligada à proliferação de faculdades de medicina sem qualidade”.
Para o presidente do Cremesp, os critérios atuais para a abertura de faculdades influenciam na graduação desastrada. Hoje, quem cuida do processo de aprovação de escola médica é o Ministério da Educação. Como se o óbvio precisasse ser explicado, o ideal seria envolver, nos segmentos apontados, também os Ministérios da Saúde e o da Justiça.
As faculdades, muitas vezes, são abertas sem atender a requisitos mínimos. Há a prevalência de interesses políticos, porque faculdade de Medicina traz prestígio à cidade onde é instalada. Mas a oferta de residência médica é restrita e os hospitais universitários nem sempre possuem a qualidade necessária.
Em todo o País, há mais de centena e meia de faculdades de Medicina. O número é maior do que o dos Estados Unidos e o da China.
Não faz tempo, o Cremesp realizou prova para avaliar o conhecimento de médicos recém-formados. Cerca de mil deles participaram. Como a avaliação foi voluntária, pressupõe-se que apenas os melhores se submeteram ao teste. «Ainda assim, somente 17% acertaram a questão referente ao preenchimento adequado do atestado de óbito e a média de acertos sobre diagnósticos e condutas em emergência foi inferior a 40%», contou o mais destacado dos conselheiros.
O vendedor Luiz Castro sofre as consequências de erro médico. «Tive prejuízos e ainda não pude voltar a trabalhar», diz, com dificuldade na fala. Por correr em segredo de justiça, o nome do médico e o hospital particular onde Castro sofreu o erro não podem ser divulgados.
Esperemos, com certo grau de ceticismo, que esses registros de terror não lancem sombras sobre o amanhã que desponta.
Marcílio Dias
Site: www.marciliodias.com